As roupas estendidas ainda
ensopadas no varal, se submetidas ao sol direto, em pouco tempo são recolhidas
ressequidas, sem resquícios de umidade no tecido. Nem mesmo o amaciante dá
conta de manter a maciez do fio. Imagine nossa pele.
E aí, sair na rua nos horários de
pico do sol é decretar mal estar súbito.
Desci a rua em direção ao
compromisso de sábado. Conforme fui descendo, minha respiração foi ficando mais
intensa, o peito pesado e o corpo cada vez mais lento. Atravessar a Praça Saenz
Pena às três horas da tarde me pareceu atravessar o deserto. Do Saara. Cheguei
ao meu destino sentindo algo que nem sei explicar. Estou preparada fisicamente
para caminhar longas distâncias, mas definitivamente não em condições
inóspitas.
Enquanto atravessava a praça não
pude deixar de lembrar-me de algumas passagens do livro de Ryszard Kapuscinski –
O Ébano. O jornalista polonês percorreu o continente africano como
correspondente da agência de notícias polonesa PAP. Sua primeira incursão pela
África aconteceu em 1957. Ele se refere ao calor da África em diversas
passagens, profundamente impressionado com a forma que os africanos encontraram
para conviver com isso, de forma intuitiva ou por um conhecimento passado por
gerações.
Ele conta que passava e se
surpreendia com as pessoas paradas, numa mesma posição durante horas, sem
qualquer expressão no olhar, apenas paradas.
E pensei que poderíamos aprender
essa técnica, nesses novos tempos de calor, tão semelhantes. Afinal ele se
referia a 50 graus. Já deixamos de ser
Rio 40 grau. Tais como os africanos,
diante desse calor, aprenderíamos a ficar parados, sem movimento, em estado de semicoma,
quase vegetativo.
Uma boa opção. Teoricamente
abandonaríamos o corpo físico e o deixaríamos ligado à mente somente por um fio
invisível. Deixaríamos o estado de vigília, portanto. A teoria é que nesse
estado, o corpo se desliga temporariamente das sensações físicas tais como
calor, frio, fome, etc.
Teríamos que adaptar essa técnica
para o dia a dia no Rio de Janeiro. De
alguma forma, creio que o carioca já exerça essa capacidade de desligamento, a
contar pelas inúmeras e intermináveis filas de ônibus, trens, bancos, repartições
públicas. Talvez já exista alguém vegetando nessas filas.
Bem, pela manhã tudo bem. Apesar
do calor já beirar os 36 graus, é mole pra gente. Um banho frio de manhã, uma
roupa fresca, comidas leves. Terei que
adaptar o meu café da manhã para uma versão gelada, já que tenho crise de
abstinência sem ele e tá ficando difícil a versão tradicional, quentinho.
Complica mesmo na hora do almoço.
A partir de 11 horas (10 horas na verdade) o sol de meio dia já chegou
apressado. Às 12 horas, ele “tá que tá”. Somando ao calor, ruas lotadas de pessoas
transitando em busca de um lugar para comer, mas antes de qualquer coisa um
refúgio. E aí junto com as pessoas, o vozerio, os restaurantes lotados e o tão
sonhado ar condicionado não dá conta de refrescar tantos corpos quentes e
suados... Uma catástrofe.
Saí, dia desses, sozinha para
almoçar porque pretendia passar pelo Banco. Fui um pouquinho mais longe que o
de costume. Mas o local é conhecido como Saara. Dá pra ter uma ideia que o nome
não é à toa. Até chegar ao restaurante
passei por diversos obstáculos: muita gente transitando, falando. Ou melhor,
gritando. Em volta, sujeira, poeira, cheiros variados e desagradáveis. E o sol
lá em cima, impiedoso.
O restaurante que a princípio
parecia um oásis, logo se transformou numa fornalha. As garçonetes agitadas,
derrubando tudo, filas imensas. Saí de lá irritada e com dor de cabeça. Cheguei
a achar lá fora melhor. E não pude deixar de lembrar o livro.
Lembrei-me também que, de alguma
forma, eu já utilizava uma técnica de semi- presença e precisava resgatar. Uma
versão carioca.
A versão é simplesmente ignorar. É
preciso ignorar o calor. Essa é a minha teoria.
Ao atravessar qualquer porta que
o separa do ar condicionado com o mundo lá fora, você deve respirar fundo e
depois compassadamente. Agarre sua bolsa ou carteira (não dá pra vegetar nesse
sentido no Rio) e sair em passos cadenciados e fazer de conta que está em algum
outro lugar (escolha o seu). O calor vai chegar de qualquer jeito e te dominar
por completo, mas, finja que não tá nem aí.
Pra mim funciona se eu estiver andando, em movimento o tempo todo. Se
parar... O calor concentra e aí saio em pouco tempo do estado meditativo para o
desespero.
Bem, afinal acho que não sou tão
boa nessa técnica assim.
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