Cheguei ao escritório no horário
marcado, era o primeiro dia de trabalho como gerente de recursos humanos
daquela empresa...
Já
estava sendo aguardada pelo presidente e diretor administrativo da empresa:
- Você chegou em boa hora, já temos uma
demanda urgente pra você tratar, disseram. Temos aqui na sala de reunião toda a
tripulação de um navio, que se revoltou com o Imediato e vieram até aqui pra
reclamar. Já os ouvimos. Queremos que você converse com eles e tome ciência da
situação nos detalhes. O que aconteceu. E depois nos diga o que você pensa como
podemos ou devemos tratar esse assunto.
Bem,
a essa altura fiquei sabendo que a embarcação estava parada no cais pra
abastecimento e parte da tripulação desceu e foi até ao escritório. Era um
motim, na verdade, porque o período de embarque ainda não tinha sido
finalizado. Eles se recusavam a voltar.
Depois
de quase um ano em estado de semi reclusão, aflorando os sentidos,
esse sem dúvida parecia ser um grande recomeço, um choque de realidade. Acordei
do sono.
Ao
entrar na sala de reunião, que cabia em torno de 10 pessoas sentadas, havia ali
no mínimo 20 pessoas. Estava presente o comandante do navio, alguns oficiais, o
chefe de máquina e mais um tanto de marinheiros de convés. Não sei ao certo. Só
não estava mesmo presente o Imediato, o foco da discórdia. Eles abriram caminho pra eu passar e me
ofereceram uma cadeira. Mal sentei o chefe de máquinas, o outro ator principal
da história começou a falar.
Resumindo,
a historia se desenrolou principalmente entre o imediato e o chefe de máquinas.
O imediato “sugeriu” que o tal chefe de máquinas, que sempre fazia muito exercício
na academia no navio e era do tipo forte e musculoso, utilizava “ bomba”( ou anabolizantes) e que,
por conta disso, estava apresentando comportamento agressivo, além de ficar estimulando para que os outros também o
fizessem. As palavras do Imediato ganharam força internamente no navio e
rapidamente surgiram opiniões internas e facções contrárias e a favor da opinião
do Imediato. Daí o que era somente bomba, passou a ganhar conotação de drogas,
anfetaminas, etc. E foi dessa forma que a notícia chegou até aos ouvidos do
chefe de máquinas.
Como
ele exercia uma liderança informal entre os marinheiros, grande parte ficou solidária
com sua revolta. E o assunto cresceu e ganhou manchete no navio. Daí por diante
o clima foi ficando tenso, a discussão verbal começava a ganhar contornos de
agressão física e, antes que a coisa ficasse pior, o Comandante decidiu atracar
o navio no cais...
E
aqui entrou eu na história. - E
agora, José, para onde? – pensei, lembrando-me do trecho da música.
Nunca
havia trabalhado com tripulação de navios, era tudo novo. Mas eu era profissional de recursos humanos e
eles eram os recursos: pessoas, humanos. Isso deveria bastar. Tinha buscado
informações na internet também sobre o tipo de negócio da empresa, etc. Mas tinha
também uma imagem estereotipada de marinheiros, não preconceituosa.
Pra
começar, cabia a mim naquele momento ouvir. Não estava ali para solucionar um
litígio e nem para punir ou julgar. Muito mais para entender o conflito. Então basicamente foi o que fiz.
Ouvi
respeitosamente e com seriedade toda a história até o final, sob o ponto de
todos os presentes que quiseram se manifestar com ou sem a minha interferência.
O
chefe de Máquinas foi o primeiro a falar. Explicou que tinha orientação de
nutricionista e professor de educação física para utilizar os tais complementos
e que o imediato entendeu isso como drogas e ficou “espalhando”. Ele se colocou à disposição para fazer os
exames necessários para comprovar que estava limpo.
O
comandante , quando perguntado, não se posicionava, nem sim, nem não, muito
pelo contrário. Diz que tentou esclarecer o fato com os dois, mas percebeu que
a situação poderia piorar.
O
chefe de máquinas, de camiseta sem mangas representava mesmo o estereótipo de
um homem do mar: musculoso, falante, bom de papo, boa pinta, tatuagem no braço.
Entendi em parte a liderança que exercia entre os marinheiros. Percebi ainda a
liderança tímida do comandante, que deveria ser a autoridade maior no navio.
Eles
saíram da sala aparentemente aliviados, ali mesmo combinaram de retornar à
embarcação e prosseguir viagem, num primeiro momento substituindo os dois
atores principais por outros, de outros navios. Agradeceram .
Dali
pra frente, durante o tempo que fiquei na empresa, passei a ser a amiga e
confidente dos tripulantes.
Avisei
que ouviríamos o mediato.
-
Ele não vale nada, a senhora vai ver – disseram .
Nem
preciso dizer que a versão do imediato acrescentou diversas outras variáveis de
contexto. Ele confirmou o que tinha dito, reforçou e ainda acrescentou mais
detalhes sórdidos à situação e “queimou o filme” do tal chefe de máquinas,
afirmando ser liderança negativa.
Nas
entrelinhas ainda, deixou transparecer a insatisfação quanto a sua posição na
hierarquia. Como imediato ele não tinha a mesma autoridade do comandante, que
no seu ponto de vista, não a exercia. Também não tinha também a liderança.
Estava no limbo.
Traduzi
posteriormente minhas observações e prévia
análise sobre os fatos. A situação era complexa e tinha ainda mais outros
muitos fatores de contexto envolvidos, e que não se limitava aquele episódio, mas
precisávamos tomar decisões mais imediatas naquele caso.
Em
um primeiro momento, decidimos que a tripulação voltaria à embarcação, mais
calma, sem o Imediato, já que faltavam poucos dias para o desembarque. O
imediato ficaria em casa, à disposição, até o próximo embarque. Em um segundo
momento, desmembraríamos toda a equipe em outras embarcações, formando uma nova
tripulação, inclusive o Imediato. E
observaríamos o comportamento dos envolvidos.
Existe
um protocolo a ser seguido quando fatos como esse acontecem em um embarque,
previsto nos procedimentos dessa área e todos eles seriam seguidos antes de
novo embarque.
O
chefe de máquinas realmente fez todos os exames necessários para comprovar ou não
a presença de drogas.
Conclusão:
Bem,
faltou liderança do comandante que ao ver um conflito instalado, ainda que não
considerasse relevante, deveria ter buscado a realidade dos fatos, era
anabolizante? Ele tinha autorização? É necessário autorização? Pode oferecer
prejuízo ao trabalho? E esclarecer. E exercer ainda sua autoridade para fechar
questão sobre o assunto, quando esclarecido.
Quanto
ao imediato e o chefe de máquinas, ambos se comportaram de forma, no mínimo,
imatura e irresponsável já que ambos,
pela natureza da atividade, representam autoridade dentro da tripulação.
A
minha história na empresa estava só começando. Era só o primeiro dia.
-
As coisas começaram quentes, pensei. E fiquei imaginando o que viria depois...
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