terça-feira, 29 de outubro de 2013

Cenas que a vida nos faz encenar

Cenas que a vida nos faz encenar

Cheguei ao escritório no horário marcado, era o primeiro dia de trabalho como gerente de recursos humanos daquela empresa. Tinha passado um ano fora do mercado e apesar da oportunidade de dar uma parada, após intensos 10 anos de trabalho na mesma empresa, não foi nada fácil.  

Ainda em Petrópolis, o tempo sem ocupação foi bom pra estreitar a relação com os filhos, a casa, os cachorros e, junto a todo aquele verde e frescor, um momento precioso também para reflexão e meditação, embora os filhos insistiam em dizer que passei mesmo foi por uma sonoterapia. Tá certo que depois de longas horas de meditação, eu realmente acabava dormindo, mas a situação sempre foi motivo de piada, e continua sendo até hoje quando nos recordamos de Ivone, nossa empregada na época. Ao atender o telefone, ela sempre dizia:

- Sua mãe não pode atender o telefone agora, ela está meditando.

A demissão, que ocasionou os longos períodos de meditação, chegou de forma inesperada, apesar dos sinais evidentes. A reação imediata foi acionar alguns contatos pessoais e profissionais cultivados até então e avisar  sobre a “disponibilidade” para o mercado, antes mesmo de curtir as férias que já estavam agendadas, com apartamento já alugado. E, realmente,  os primeiros contatos para entrevistas de trabalho surgiram exatamente nesse período. De férias na praia, a rotina era sair da cidade praiana, participar das entrevistas e retornar. O movimento era bom e parecia que as coisas não iam demorar mesmo muito tempo pra acontecer...

A primeira grande entrevista surgiu através de uma consultoria conceituada , para uma posição em empresa francesa. Como o perfil tinha sido bem avaliado  e altamente recomendado cheguei com segurança, caprichei na apresentação, cabelo, roupa: “Tudo em cima”, pensei.

A secretária anunciou minha chegada. A entrevista, inicialmente com os diretores comercial e industrial transcorreu muito bem. A conversa com o presidente, ao final, foi extremamente agradável. Ele perguntou sobre quase tudo, experiências passadas, pediu opinião sobre diversos assuntos, falou também sobre sua trajetória, história da empresa.  Houve empatia, afinal. Saí de lá com aquela sensação agradável de que, se não acontecer de ser escolhida, valeu a pena ter vindo até aqui.

“Cumpridas as recomendações técnicas, a empatia  faz toda diferença para um acordo de parceria, seja ele qual for. Em um processo seletivo, isso vai fazer toda a diferença na hora de  decidir por alguém” – é minha opinião.

Mas a probabilidade, por mais favorável, nem sempre se cumpre como os cálculos indicam. Esta questão ficou mais clara ou melhor compreendida depois que li o livro Cisne Negro , ou Black Swan, de Nassim Nicholas Taleb (recomendo a leitura).

Nassim Nicholas Taleb define no livro que cisne negro é um acontecimento improvável e que, depois do ocorrido, as pessoas procuram fazer com que ele pareça mais previsível do que ele realmente era.
No livro, o autor escreve que é impossível tentar antecipar e prever o futuro, já que aquilo que conhecemos é muito menor em relação ao que não conhecemos. Ele também explica como uma pessoa deve lidar com eventos inesperados em um mundo imprevisível e que elas tenham a consciência e aceitem que esses eventos, uma hora ou outra, acontecerão. (Wikipedia)


Passadas algumas semanas, e só após fazer contato com a consultoria, chegaram as notícias de que o processo tinha sido interrompido.

 - “Não entramos em contato antes porque também aguardávamos um posicionamento da empresa mas, parece que aconteceram mudanças na empresa, mudança de diretoria”, desculpou-se a consultora, “não sabemos exatamente o motivo”.

Mas como dizem, o tempo é o senhor de todas as coisas ... e, afinal, tinha sido só a primeira entrevista. Assim, consolei a mim mesma.

Retomada a nova rotina em casa, ligada na internet, estabelecendo contatos, buscando alternativas (e meditando...). Foi quando outra renomada consultoria fez contato, para uma posição de gerente de recursos humanos, em uma empresa multinacional francesa, de grande porte. À essa altura, você já deve imaginar  que empresa era essa não? Pois é.  Só soube que era a mesma empresa quando a entrevista foi agendada, mesmo local, porém com nome de diretor diferente.

A mesma secretária me encontrou na recepção, cumprimentamo-nos, o seu sorriso foi uma demonstração de reconhecimento e surpresa. Estranho, pensei.

Encaminhada para uma sala, aguardei a chegada do diretor financeiro, que  aparentava no máximo uns 40 anos, bem mais jovem que o anterior.

- “Bom dia”, disse, sorrindo e carregando alguns papéis, logo no início da entrevista. “Vejo aqui que você já participou do processo  anterior”

- “Bom dia. Pois é, não entendi muito bem, eu avisei pra consultoria sobre isso logo que soube, quando a entrevista foi agendada, como não houve espanto, entendi que era continuidade do processo anterior”

- “É verdade, vi aqui que você foi indicada pela consultoria X e, não sei se tem conhecimento, mas você foi a candidata selecionada naquele processo”.

- “Fui? Não sabia...”

- “ Mas, em função das mudanças, o processo foi interrompido porque trocamos o presidente e os diretores anteriores, mas eles  tinham escolhido você.  “Agora”, e aí ele riu, nem mesmo acreditando em si mesmo, “você foi novamente selecionada”.

- “Muito bom saber disso. Mas, isso é bom ou ruim?”, perguntei.

- “Pra você, acho que muito bom”, ele  disse, “afinal ser selecionada por duas grandes consultorias... isso te coloca um passo à frente, concorda?”

- “É, isso é bom”, disse, mas na verdade não era bem assim, pensei.

Passei novamente por uma rodada de entrevistas. Dessa vez saí de lá com uma sensação muito ruim.  “Devia ter recusado”, refletia.

Depois de algum tempo de espera, a resposta chegou.  E, é claro, não fui escolhida.  

Não ser a melhor opção para uma empresa não é o fim do mundo em uma situação normal, faz parte de quem está participando de processos seletivos. A seleção é dos dois lados, o candidato também deve avaliar o perfil da empresa, se ela se encaixa nas suas expectativas.

Esse processo especificamente ficou mal resolvido.  A minha visão da empresa, ao sair do segundo encontro, foi completamente diferente da imagem que fiz no primeiro momento. Natural que tenha deixado um gosto amargo.

Felizmente houve oportunidade de esclarecer um pouco mais os fatos, com a consultora, alguns dias depois.

A situação foi embaraçosa pra todos. Os novos diretores simplesmente não sabiam do processo anterior, tomaram conhecimento disso somente porque a secretária lembrou de comentar quando me reconheceu. 

Pode? Pode!  Teoricamente não, mas o mundo corporativo está repleto de cenas como esta. Depois, como explicar a contratação de uma nova consultoria pra um processo que já tinha sido finalizado? E o pior, pra contratar a mesma pessoa que tinha sido escolhida anteriormente. E ainda, pelo diretor anterior, que foi destituído. Como justificar o custo envolvido?

De minha parte acrescento ainda a displicência da consultoria em não ter apurado melhor o fato, quando mencionei que já tinha estado lá.  A consultora confessou também seu embaraço com a saia justa. E até rimos da situação

– Faltou originalidade ou meu currículo é realmente excepcional? Ou só eu estava disponível por aqueles dias? Brincamos, na época.


De minha parte, avalio que só deveria ter ido após os fatos devidamente esclarecidos. Não cabe deduções, é importante trabalhar com dados de realidade. Lembrando a questão do inusitado acontecer, estar qualificada nem sempre trabalha a seu favor.

Ainda, devo acrescentar o fato não menos importante de simplesmente não ter havido empatia.

***


As histórias da vida corporativa me inspiram a realizar o trabalho de coaching e orientação profissional. Além da inspiração e experiência direta com as pessoas no mundo corporativo, busquei formação sólida no tema e me especializei.  Você pode entrar em contato comigo. Deixe seus dados de contato, demonstrando qual o seu interesse e retornarei para falarmos. Independente disso, podemos conversar. Estou disposta a ouvir a sua história e contribuir, de alguma forma.

Nenhum comentário: