sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Queria saber...


... Continuamos a assistir as soluções serem construídas sob os mesmos pilares, pelo mesmo modelo mental, que não tem dado conta da complexidade do contexto atual.

Desembarquei em São Paulo numa segunda feira, final de tarde, para ficar por uma semana em curso. Inadvertidamente não consultei qualquer previsão metrológica para os próximos dias, que foi de chuva intensa e queda de temperatura. As roupas na mala definitivamente não combinavam. Com isso meus planos para o final do dia, passariam a ser percorrer um ou vários shoppings da cidade para comprar um sapato fechado e uma blusa de frio, básicos. O fato de estar sozinha e ficar trancada em uma sala de aula puseram por terra o desejo de ir ao cinema ou teatro. O meu negócio era andar... Espairecer. Era impossível caminhar pelas ruas por perto, por conta da chuva, trânsito, manifestações bloqueando ruas, etc...

Considerando o horário de verão e as dificuldades de locomoção pelas ruas, resolvi testar o transporte público de São Paulo. Considero que andar pelas vias públicas e utilizar os meios de transporte público sempre é uma boa escolha para travar contato com a cultura e pessoas, em qualquer lugar do mundo, de forma barata e segura. Além disso, a qualidade e diversidade dos meios de transporte público disponíveis em uma sociedade evidenciam o nível de desenvolvimento e amadurecimento.

Todas as vezes que estive em São Paulo, todas elas a trabalho, o taxi sempre foi meu meio de transporte comum, em função do tempo.

Bem, não sei o que pensam e qual o nível de satisfação dos paulistanos com as linhas de trem e metrô, mas fiquei impressionada com a rede de interligação entre eles e entre os bairros. Voltei recentemente de férias na Europa e a verdade é que não vi diferenças significativas na qualidade entre eles. Algumas questões são iguais, mesmo os defeitos. Andei de uma ponta a outra da cidade com apenas um bilhete, flutuando entre as linhas de metrô e ferrovia.

O que impressiona e acho que faz a diferença é a quantidade de gente, especialmente naquele horário de rush. Bem, cá entre nós, foi loucura ter feito o “passeio” naquele horário. Fui subindo e descendo, em algumas estações sendo conduzida por aquela multidão de almas aflitas pra chegar ao seu destino. Parei finalmente em frente à entrada de um vagão na estação Pinheiros, de frente para a Marginal, aguardando o trem chegar e confesso que me assustei quando vi aquele mar de gente descendo em grandes bicas pelas escadas rolantes para a plataforma do trem.

 – Não vai dar, pensei, mas deu. As leis de física precisam ser revistas porque acho que dois corpos podem ocupar o mesmo espaço.

Fui sendo gradativamente e “gentilmente” afastado da entrada do vagão, o que foi ótimo porque quando o trem chegou a dança ali foi eletrizante. Eu perdi o controle e me deixei levar e só sei que entrei no trem, em direção ao Morumbi. A cada estação meu corpo era expulso pelos que queriam sair e depois retornava pelos que queriam entrar no vagão.
Mas lutei bravamente quando cheguei à minha estação e quis sair. Acho que a dor no braço que sinto até hoje foi em função das braçadas que eu dei pra sair. E saí já totalmente amassada e descabelada.  O espelho do banheiro do shopping Morumbi comprovou o meu estado.  “A cara da riqueza” pensei, a me ver no espelho... 

Fiquei pouco tempo no shopping, só mesmo pra descansar e tomar o caminho pra outra estação e aguardar o movimento esfriar. Já estava escurecendo. Entrei novamente e peguei de volta o trem para Vila Olímpia. Foi super tranqüilo, agradável e cheguei ao bairro sob uma perspectiva que não tinha visto antes.  A visão que eu tinha, ao chegar e sair de taxi do shopping Vila Olímpia era completamente diferente, era uma visão pela janela do carro.

Perguntei como chegar ao shopping (estava a duas quadras) e ao parar no sinal comentei com a menina ao meu lado:

– Nossa, que movimento – falei. Nunca tinha visto tanta gente andando por aqui.

- É todo dia assim, muita gente trabalha ou estuda aqui, nos escritórios e shopping, respondeu a menina, de forma simpática.

Pensei na rotina das pessoas, em São Paulo e no Rio de Janeiro que enfrentam essa situação todos os dias, sem opção de escolha. Se considerarmos a precariedade das linhas de transporte do Rio de Janeiro, pude imaginar, com minha experiência, a batalha diária. Nunca andei de trem no Rio, mas sei como chegam as pessoas que desembarcam na Central pra pegar o metrô.

Uma das coisas que não entendo é o motivo de não se fazer estações dos dois lados de saída e entrada dos trens. É humanamente impossível controlar uma multidão fazendo força em movimentos contrários.  Vi isso não só em SP e RJ, mas em outros países também. Talvez o que diferencie é a quantidade de pessoas ou a educação, não sei. Mas a verdade que ao planejar os engenheiros, arquitetos, urbanistas não deveriam contar com a educação do povo, mas sim com as opções que o sistema pode oferecer para conforto. Será que é economia de espaço, de dinheiro?  Na estação Pinheiros, por exemplo, como em quase todas, não é problema de espaço para construir mais plataformas.  Será o custo? Que custo justifica essa situação? Logística? Qual logística? Vontade de fazer bem feito? Será que não é falta de interesse pelo bem público?Alguém sabe explicar porque se fazem estações de trem com apenas uma entrada quando os vagões foram projetados para saídas de ambos os lados?

A solução encontrada pelas autoridades têm sido colocar guardas nas estações que tentam segurar a multidão, com cassetetes, empurrando as pessoas pra dentro dos vagões ou fazendo o parto à fórceps, de alguém que queira sair.

Outra coisa que merece reflexão: porque ainda trabalhamos todos no mesmo horário e nos mesmos lugares?  Porque não vejo qualquer movimento de empresas e poder público em estabelecer horários de trabalho diferenciados, especialmente nas grandes cidades, de forma que o fluxo de pessoas possa ser distribuído ao longo do dia?  Mesmo sabendo das dificuldades e implicações dessas mudanças, porque não ouço falar de movimentos efetivos nesse sentido?

Não tenho a ilusão romântica e pretensiosa de que só eu pensei nisso. Todo mundo deve se perguntar sobre isso e creio que pessoas estejam se debruçando sobre isso. Mas porque não vemos nada acontecer de efetivo?  Ao contrário, continuamos a assistir as soluções serem construídas sob os mesmos pilares, pelo mesmo modelo mental que não dá mais conta da complexidade do contexto.

E o mundo não é mais o mesmo, a todo dia uma mudança significativa. Catástrofes acontecem a todo o momento. O barulho e a desconfiança aumenta. O conforto perde cada vez mais espaço. Já não adianta mais ter carrões porque o trânsito não anda. Não adianta se fechar nos condomínios, a violência está dentro de casa. E agora está batendo às portas, nas manifestações diárias. 

À noite, pra coroar as reflexões, vejo a notícia de que todo o lixo atômico produzido no Japão, após o tsunami que passou por lá, está viajando pelo mar, como uma grande ilha, em direção aos Estados Unidos e não se sabe exatamente o que fazer com isso.

Tá pra lá da hora de pensar no bem comum em detrimento do que é particular.  Afinal, não temos pra onde ir, moramos todos no mesmo planeta.


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