terça-feira, 23 de maio de 2017

Minha mãe. Isolina. Filha de Lucinda e Camilo.

Minha mãe. Isolina. Filha de Lucinda e Camilo.
O final do ano de 2016 foi marcado por um evento muito trágico na minha vida. E na vida de toda a família: minha mãe sofreu uma parada cardíaca na rua, foi ressuscitada e, desde o dia 11 de dezembro, está em coma. A principio na UTI e agora no quarto.  Esse acontecimento, nos arrebatou e nos deixou a todos, filhas e netos, desconectados, tentando descobrir afinal um sentido para o fato.
 O imponderável aconteceu em um momento que eu e minha mãe estudávamos nossa biografia, decifrando o fio vermelho de nossas estórias, através da pesquisa da vida de nossos antepassados, especialmente sobre a postura das mulheres da familia e a influência disso nas nossas escolhas e decisões.  
Com o registro dos seus escritos e palavras, fica marcado para mim em sua biografia, a trajetória da menina que nasceu de familia muito pobre na pequena cidade de Ubá, interior do Estado de Minas Gerais. A sexta filha de uma familia de 9 irmãos.  Uma filha, como os demais, que cresceu na dureza de sua realidade, com tão pouco afeto e poucos recursos. De um pai de origem italiana muito rude e de uma mãe cabocla, bondosa, mas preocupada com a sobrevivência de sua prole.
Lembro das estórias da menina que saía de casa a pé e descalça para a escola em um horário que era medido pela localização do sol entrando pela porta da casa e marcando o  chão de terra batida; levava consigo um pedaço de pau para se proteger no caminho e voltava carregando roupas das senhoras da cidade para a mãe lavar. Vida dificil.  
Lembro de suas lembranças de ter que fazer os deveres da escola debaixo do poste de luz na rua e de escovar os dentes com carvão em pó.  Deve ter sido bom porque ela conservou seus dentes originais e brancos. Da menina que era gulosa, desde pequena, e não era só de comida; tinha fome de saber.  Lembro ainda da menina que só podia coroar Santa Teresinha nas festas da igreja, porque só as meninas ricas da cidade podiam coroar Nossa Senhora. De sua devoção por Santa Teresinha, herdei o nome.  A menina demorou para ter um sapato de verdade. A menina foi introduzida muito cedo no trabalho na fábrica para poder ajudar a família.
A adolescente continua sua busca pela espiritualidade e se torna filha de Maria. Encontrou o amor, que se transformou no marido e juntos tiveram três filhos, esse amor, no entanto, não chegou a preencher o espaco e a necessidade de afeto e segurança.  Repetindo a estória de sua mãe, já numa nova versão, viveu preocupada com a sobrevivência da famíia e em dar um destino pessoal e profissional melhor para os filhos, cavando oportunidades.
Herdou a coragem e o ensinamento de minha avó Lucinda, que saiu da pequena cidade para dar vida melhor para os filhos. Independência sempre foi o seu lema. Para o bem e para o mal, ela descobriu logo cedo que precisava contar consigo mesma sempre. Não sobrou espaço para reproduzir muito afeto. Demonstrava seu amor com dedicação. Com comprometimento. E senso de justiça.
Mulher-mãe passou pelo maior sofrimento de perder um filho. Depois disso foi capaz de sobreviver a outros tantos momentos dificeis, caiu e se levantou muitas vezes. E pareceu ser imbatível para o câncer e suas consequências, para os atropelamentos   e traumatismos. Nós, filhas e neto (a) s assistíamos a sua luta e nos acostumamos a vê-la sair vitoriosa de tudo. Mulher de muitas vidas. E por isso colocamos toda fé na sua força imbatível e retorno.
Esperávamos que   mais uma vez, ao ser confrontada   por uma parada cardíaca ,retornasse de sua morte súbita.  Ela retornou, de certa forma, demonstrando sua força física e vitalidade, mas não da mesma forma. Acordada sim, mas para o outro lado da vida.
Talvez agora ela esteja repassando sua biografia e conseguindo entender o fio vermelho de sua estória. Fazendo um balanço   e contabilizando suas grandes conquistas e o sentido para as suas perdas e desejos não realizados.
Do lado de cá, tentamos nos acostumar com sua ausência.  Como nos fez fortes para enfrentar a vida, permanecemos ao seu lado, amparando, assistindo e resignando-nos com o propósito divino.
Com seus escritos darei continuidade à nossa estória.

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